É comum encontrar pessoas que sem muito esforço e sem estudar muito foram ótimos alunos na escola. Meu irmão é um exemplo dessas pessoas. Sem aparentar esforço, foi um dos melhores no ensino fundamental, ensino médio e faculdade. Eu nunca me esforcei também e lembro poucas vezes de ter parado para estudar algo, mas ao contrário do meu irmão, eu sempre fui mal no ensino fundamental, ensino médio e faculdade. Tinha notas ruins, cadernos incompletos e listas de advertências e provas com assinaturas falsificada dos meus pais. Até hoje lembro da desconfiança que meu pai tinha sobre como eu faria para sobreviver no futuro com o desempenho que eu tinha nos estudos.

É engraçado que apesar da experiência traumática de ser um péssimo aluno, eu sempre adorei ir para aula. Eu estabelecia objetivos que nada tinham haver com notas, como ter pelo menos uma conversa com todas as pessoas da sala ao longo do ano. No ensino fundamental, eu procurava encontrar nas pessoas que eu ainda não conhecia, motivos que me fizessem sentir pesar por elas. Eu também tinha objetivos nada nobres, como atribuir codinomes no qual eu pudesse me referir a qualquer pessoa da sala sem que elas se identificassem, o que me atribuiu a fama de dar apelidos.

O meu desempenho sempre garantiu vagas certas nas salas de exame. A experiência de ter notas ruins ao longo do ano e ao final ter uma única prova para recuperar tudo traz aprendizados que poucas pessoas valorizam, como o fato dos alunos precisarem estudar por conta própria para relembrar ou até mesmo aprender os assuntos perdidos durante o ano. Outro aprendizado importante nessa experiência é o fato dos alunos que precisam passar nos exames terem que superar sua timidez e insegurança para pedir ajuda para outros alunos. Seja estudando com um amigo que passou direto ou estudando com um desconhecido que também está ferrado, o fato é que sem a humildade de reconhecer que precisa de ajuda, as coisas ficam mais difíceis.

Eu, apesar de sempre ir mal, tinha pavor de reprovar, o que significava estudar ao máximo e com total intensidade e dedicação as duas ou três semanas entre o fim das aulas e as provas de exame. Para alívio dos meus pais, sempre consegui me safar. É engraçado que quando somos jovens, uma reprovação em uma matéria represente uma tragédia. Lembro que todos meus amigos que reprovavam de ano tinham identificação bem evidente diante dos demais alunos que estavam no seu curso normal. Era como se tivessem sido marcados ou tivessem em uma casta inferior.

Em um determinado momento da minha adolescência, o meu desempenho era tão ruim e a minha proximidade com alunos que haviam reprovado várias vezes era tão grande, que a diretora do colégio que eu estudava chamou meu pai e o aconselhou a me trocar de colégio. Neste ano vivenciei a troca do colégio público pelo particular, o que de fato não mudou muita coisa, tanto no meu desempenho quanto nos meus objetivos não convencionais durante as aulas. Apesar das poucas mudanças, um dos alunos da nova turma se destacava muito em relação aos demais. Era um dos alunos mais inteligentes, um dos mais comunicativos e também um dos mais estabanados. O seu desempenho nas aulas era um dos melhores e por consequência, isso dava-lhe o direito de ter o ego inflado. Eu o achava inusitado, até o dia em que fomos escolhidos para trabalharmos no mesmo grupo. Apesar de todas as diferenças culturais vividas até aquele dia, ele como um dos melhores alunos, eu como um dos piores, uma revelação me deixou chocado: ele já havia reprovado de ano. Como poderia ele não ser reconhecido pelos demais como um aluno que havia reprovado? Por que ele não tinha nenhum sinal ou casta para identificá-lo?

Ao final, quando estava na faculdade, finalmente tive a minha primeira reprovação em uma matéria. Eu já trabalhava, tinha um desempenho acima da média pra minha idade, então reprovar naquela ocasião não mudou praticamente nada, a não ser a minha percepção sobre como somos treinados a vida inteira para ter o desempenho esperado por um modelo. Modelo este que acaba refletindo em todos os aspectos de nossas vidas: nas suas escolhas profissionais, nas suas escolhas religiosas, nas suas escolhas sobre estilo de vida. Eu acredito que seja importante ter bons desempenhos em modelos propostos, que nos dão uma orientação e que nos ensinam várias coisas, mas também é muito interessante não estigmatizar aqueles que não se encaixam ou se adequam nestes modelos, afinal, não é por que alguém teve notas baixas na escola, que essa pessoa será um desastre na vida.